MATEUS PRADO
28 Outubro 2015
A edição do ENEM 2015 foi desleal com
os milhões de estudantes brasileiros. Prova do ENEM precisa ser feita com
seriedade, e não de qualquer jeito. A prova de Ciências da Natureza do ENEM
2015 estava, se considerarmos todas as demais provas já aplicadas pelo ENEM,
mal feita. A prova de Natureza descolou-se totalmente das outras três
provas. Todos que fizeram o ENEM podem falar, com segurança, que o conjunto da
prova de Natureza estava com dificuldade muito superior ao das outras três
provas.
O MEC simplesmente esqueceu que entre
as propostas que fizeram do ENEM um vestibular, em 2009, estava o fim do
“decoreba” e a indução das mudanças no ensino médio, tirando o exagerado
conteudismo do vestibular e privilegiando a formação de um cidadão que fosse
capaz de raciocinar.
Quem já tinha sido apresentado ao
modelo de prova do ENEM tomou um belo susto. O ENEM vendeu lebre e, na hora da
prova de Natureza, entregou gato.
Além de ter desobedecido, da questão
46 à questão 90, todo o modelo pedagógico em que foi baseada, tem outros
problemas graves em apresentar 45 questões de uma prova com a maioria das
questões com índices de dificuldade muito grande.
O principal sentido da prova do ENEM
ser longa é ela ter a capacidade de identificar alunos com vários índices de
acúmulo de competências e habilidades. O ENEM seleciona para o curso de
Medicina, que em sua maioria aprova alunos oriundos de tradicionais escolas ou
cursinhos de elite, mas também seleciona alunos que irão cursar Enfermagem,
História, Geografia, Matemática, Direito, Economia, Administração, Gestão
Pública, entre outros. Seleciona alunos pelo SISU e também seleciona alunos
pelo PROUNI. Serve para avaliar as escolas de ensino médio, serve para dar
certificação a quem tem 18 anos e não concluiu o ensino médio e serve também
para indicar quem pode e quem não pode concorrer ao FIES. Serve até para
selecionar alunos no SISUTEC.
Não é um problema ter tantas funções
se o conjunto de 45 questões de cada prova estiver com uma boa distribuição
entre questões fáceis, fáceis-médias, médias, médias-difíceis e difíceis,
sempre deixando a maior parte das questões entre as fáceis e médias.
Do jeito que a prova de natureza veio
este ano, ficou impossível identificar, de forma justa, qual a verdadeira
proficiência dos alunos que não estão entre os de altíssima proficiência na
área de natureza. E, obviamente, os de altíssima proficiência são pouquíssimos.
Para facilitar o entendimento, a
consequência de uma prova de dificuldade tão alta foi que tanto os alunos que
estudaram um pouco e sabem de forma razoável natureza como os alunos que sabem
pouco de natureza e não foram muito dedicados aos estudos acertaram poucas
questões.
Desse modo, o ENEM cometeu o mesmo
erro que comete a maioria dos vestibulares tradicionais: fez uma prova para
selecionar para Medicina e aplicou em todas as pessoas, mesmo sabendo que a
imensa maioria não faz o Vestibular, ou o ENEM, para entrar no curso de Medicina.
O resultado é que dificilmente identificaremos diferenças entre alunos de
proficiências próximas. Quem entrou no jogo foi o fator sorte. Sorte associada
à já conhecida loteria biológica.
Os resultados e os dados que este
ENEM irão gerar estarão contaminados pela dificuldade absurda que foi dada à
prova. Quem aplaude – e de pé – o erro do MEC, são as escolas de elite e as
famosas “escolas que não existem”. Para eles a prova veio como uma
encomenda.
Espero que alguém diga para o MEC e
para o INEP que a imensa maioria de quem fez o ENEM não são pessoas que querem
Medicina e passaram dois, três ou até quatro anos em cursinhos que custam entre
1.500 e 3.000 reais. Que alguém diga a eles que existem milhares de perfis, de
sonhos e de perspectivas diferentes entre as pessoas que fizeram o ENEM.
O ENEM foi desleal com os estudantes
brasileiros. Talvez involuntariamente, talvez por incompetência. Se os itens
foram ou não foram pré-testados pouco importa. Uma prova de 45 questões não
passa de dificuldade média para dificuldade absurda sem que tenha sido dado
algum comando que ao menos tenha induzido a isto. Mas é mais fácil acreditar
que tenha sido dado um ou mais comandos que conduziu a isto.
ENEM, MEC, INEP. Todos são culpados
pela deslealdade. É o sentimento da imensa maioria dos alunos que fizeram a
prova neste sábado. Do jeito que foi sábado a prova estava pior que a maioria dos
antigos vestibulares.
Duvido que, depois de analisarem os
micro dados desta prova de Natureza, tenhamos outra vez uma prova tão difícil
em Ciências da Natureza.
Simuladores de
Nota.
Você pode até tentar simular sua nota
nos simuladores que estão por aí, mas de forma nenhuma, este ano, será possível
chegar a uma nota aproximada a que será sua nota.
Existem duas formas de simular a
nota. A primeira é você considerar que em 2015 a prova teve a mesma dificuldade
do que em anos passados e encontrar, nos micro dados do ENEM de anos
anteriores, alguém que tenha o mesmo número de acertos e a mesma coerência sua
nestes acertos. Isto ficou impossível de ser feito este ano (impossível
até por aproximação) simplesmente por nada que o ENEM fez até hoje é comparável
à esta prova de Natureza. Grandezas diferentes não se comparam. Se no ano
passado 20 acertos deram 600 ou mais pontos neste ano 20 acertos podem
significar quase 700 pontos.
Outra forma de simular a nota é
encontrar uma população representativa de todos os alunos que fizeram o ENEM e
que estão no terceiro ano do ensino médio. É a prática realizada
pela pesquisa eleitoral. Isto é impossível de ser feito. Alunos que acertam
menos questões ou alunos que não dão tanta importância para a prova do ENEM
tendem a ser os alunos que menos declaram seus acertos para pesquisas e
simuladores.
Nota mesmo, só quando sair a oficial.
E, certamente, o mesmo número de acertos em Natureza irá gerar nota maior em
2015 do em 2014.
Fonte: Estadão.com
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