Há homens que nascem para
príncipes e generais. Outros nascem para serem a fina flor da plebe, com todo o
seu arsenal de misérias e aflições. Entre esses dois mundos incomunicáveis há
uma terceira leva de homens: os lacaios da corte. Esses se embrenham pelas
entranhas do poder, mesmo sem qualquer sangue nobre, fazem dos palácios seu
habitat natural e servem-se dos restos que caem das mesas durante os banquetes.
Eles estão na realeza da Suécia.
Estão também no Palácio do Planalto. E estão também nos palácios estaduais. Mas
os meus personagens favoritos são os lacaios municipais, aqueles que alimentam
suas almas frias em saraus nos acanhados palácios locais. São aqueles senhores
afeitos ao poder, que fazem da arte de puxar saco seu ganha-pão, seu
sacerdócio.
Os lacaios da corte são
sobreviventes. Sem profissão formal, sem grandes habilidades, sem sangue nos
olhos. O lacaio é o primeiro a puxar o coro de palmas nos discursos oficiais. É
o cidadão que chama o prefeito que fugiu da escola na infância de
excelentíssimo doutor. É o discreto funcionário de um salário e meio que
carrega lenços umedecidos para limpar o suor da testa do prefeito durante os
eventos.
Alugam a alma por quatro anos.
Renovam o contrato por mais quatro anos ao sabor dos ventos da vitória
eleitoral. Os lacaios da corte são homens prontos para a briga com quem ousa
levantar voz contra o impávido senhor chefe do executivo. São criaturas
adaptáveis. Sobre elas Charles Darwin profetizou sua teoria. Sobrevivem a
catástrofes políticas, a crises econômicas, a hecatombes da natureza. Nasceram
para sobreviver.
Os lacaios da corte são aqueles
funcionários sem funções. Espalham papéis sobre a mesa e, quando fecham a
minúscula porta, se declaram donos do mundo e reis do universo. Colocam-se
acima do bem e do mal. Levam muito a sério suas tarefas. Quando resolvidas,
julgam que merecem um lugar na galeria de notáveis instalada em molduras no fim
do corredor. Mas não desconfiam que o prefeito teria, se não fossem os acordos
e a burocracia, convocado a falante jumenta de Balaão para concluir a missão.
Assim são os lacaios da corte. Em
seus ternos cheirando a naftalina inundam as igrejas aos domingos. Após rezarem
pela saúde do prefeito e todos os seus, se lambuzam de sorvete e se sentem com
a alma limpa. Em total comunhão com o sagrado.
Anderson Alcântara é Jornalista e Escritor
Fonte: Jornal Diário do Norte
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